O limitado poder do amor

Karina Mendonça
2 min readMay 9, 2020

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Nas últimas semanas tenho refletido, insistentemente, sobre um trecho do livro “Muito além do corpo” (1988), da escritora pernambucana Luzilá Gonçalves Ferreira, onde ela fala sobre sua descoberta sobre o limitado poder do amor.

Na narrativa, a protagonista ainda criança, havia ganho sementes de lírios, as quais “cavou, fofou e enterrou em um lugar ao sol”. Entretanto, após descobrir sobre o início da guerra… Espere, deixarei que ela mesma conte:

Sentada na escuridão, eu chorei pelos lírios. Que nunca floresceram. E foi a revelação, eu de repente, mergulhada num mundo dos adultos; eu podia amar os lírios com um amor forte. Podia proteger os lírios do sol, da secura, de vento e até das lagartas, que comiam uma folha inteira num instante, deixando em seu lugar uma capinha de papel celofane. Eu podia proteger os lírios dos pés das pessoas, fazendo uma cerquinha.

Eu amava. Mas meu amor, enorme embora, era incapaz de defender completamente o objeto amado. Pois amor sentia pelos lírios, feito espera, surpresa e medo, não tinha poder de evitar sua morte. Eu amava os lírios e os lírios iam morrer, mesmo antes de existir.

Naquela noite eu aprendi a primeira lição sobre o limitado poder do amor.

E este é o trecho que tem martelado em minha cabeça. Desde que li o livro, há cerca de treze anos, nunca o esqueci e, vez ou outra, ele volta a me tocar o coração. Você já parou para pensar sobre o limitado poder do amor? Sobre essa terrível e petrificante limitação?

Certa vez mostrei este trecho a uma mãe que me alegou não compreender e eu lhe expliquei da seguinte forma: sabe a sua filha? Um dia ela vai chegar em casa chorando porque acabou o namoro e você não vai poder fazer absolutamente nada, apenas assisti-la chorar. Esse é o limitado poder do amor.

Quando a minha tia morreu e eu não pude diminuir a dor do meu primo, nem o vazio das noites do meu tio ou a solidão da minha mãe. Esse é o limitado poder do amor. Quando a minha amiga sofreu um aborto e eu não pude estar ao lado dela, ou quando eu recebo uma mensagem dizendo que meus amigos não estão bem e eles estão geograficamente distantes. Esse é o limitado poder do amor.

Mas, o que o amor tem de limitado, a oração tem de insuperável. Aprendi isso anos mais tarde. Quando acontece algo e percebo que o amor chegou ao seu limite, é hora de começar a orar, então eu oro e sei que, de alguma forma, a oração vai chegar àqueles que amo, fazendo coisas que eu jamais poderia fazer. Porque, diferente do amor, a oração tem poderes ilimitados.

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Karina Mendonça

Alguém que acredita que a escrita pode fazer coisas maravilhosas, desde mudar o mundo até fazer alguém sorrir.