Andrea foi embora.

Karina Mendonça
8 min readApr 26, 2020

--

10 de Janeiro de 2020

Oi Mãe, oi Pai.

Não queria que as coisas fossem assim, mas não tinha outro jeito. Eu tive que ir embora. E antes que pensem, vocês não vão encontrar o meu corpo no banheiro e nem adianta olhar pela janela. Há essa hora, já devo estar bem longe, e não adianta correr pela vizinhança. Eu não fui para casa de nenhuma amiga e nem para a casa dos pais do Marcelo. Eu realmente fui embora. Estou a caminho de Florianópolis e, de lá, seguirei para Chapecó.

O celular, eu não levei e peço que me desculpem, mas eu realmente preciso de um tempo sozinha. Assim que as coisas se ajeitarem, eu mando notícias, não se preocupem. Sei que vocês devem estar preocupados, com raiva e, acima de tudo, decepcionados, mas eu espero que, de alguma forma, vocês me entendam. Não dá para seguir em frente estando aí. Dói demais olhar esse quarto, andar pelas ruas. A cada restaurante que vou, tenho uma lembrança e a saudade aperta e a dor não vai embora nunca.

É difícil entender, mas, para vocês, o Marcelo era apenas “um bom rapaz”, mas para mim, ele era muito mais que isso. Eu planejei toda a minha vida ao lado dele. E no dia que ele me deu aquela aliança, eu sabia que só poderia ser feliz ao lado dele. E juntos fizemos planos e sonhamos. Fizemos projetos e estávamos caminhando para que tudo corresse bem. Ah! Eu ainda não tinha lhes falado, mas, naquela semana, nós havíamos ido olhar apartamentos, e chegamos até a escolher um.

Nos últimos cinco anos, cada vez que eu pensei em um filho, era o Marcelo que eu via como pai, como meu companheiro. Ele era mais que um noivo e futuro marido, Mãe. Ele era o meu melhor amigo, meu comparsa, meu amante. Eu costumava dizer que ele era meu anjo da guarda. Será que esse foi meu erro? Bom, agora eu tenho certeza que ele é o meu anjo da guarda, mais que nunca. E, de alguma forma, ele está olhando por mim lá de cima. Mas sabe, saber disso não é suficiente para seguir a vida.

O Marcelo me entendia como ninguém. E Pai, ele sempre te dava razão nas nossas brigas, sabia? E me fazia repensar em tudo que eu havia dito. Ele tinha um carinho sem tamanho por vocês e não havia uma única vez que ele não perguntasse de vocês. Eu o amo muito e espero que vocês nunca duvidem disso. E o amarei eternamente, mesmo sabendo que um dia estarei com outro alguém ao meu lado. Viram? Eu não estou tão mal quanto vocês pensam. Eu sei que a vida vai continuar, e que vou aprender a viver sem ele.

Mas é que não dá para fazer isso estando aí. Nessa cama, em que chorei tantas vezes em seus braços. Ou na rua, onde sempre íamos comprar o pão. Ou naquele shopping que costumávamos ir nas noites de sexta-feira. Tudo me lembra o Marcelo nessa cidade. E se passo por um restaurante que sequer conheço, lembro que ele prometeu me levar lá. Imagina eu ir lá com outra pessoa? Não seria justo. E foi por tudo isso, e por precisar seguir em frente, da minha maneira, que eu estou indo para Chapecó.

Quanto a questão de sobrevivência, não se preocupem. Já mandei currículos para vários lugares e até tenho uma entrevista marcada. Não pensem que essa foi uma decisão de última hora ou coisa impensada. Eu e o Marcelo tínhamos uma poupança juntos e sempre conversamos que, caso acontecesse algo com um de nós, o outro deveria usar o dinheiro para começar do zero. E, para falar a verdade, até procuramos no mapa, numa brincadeira, um lugar para onde iríamos sozinhos.

O Marcelo, com os olhos fechados, escolheu Chapecó. Na minha vez de escolher, a mãe dele nos chamou para jantar. Por isso, esse foi o destino escolhido. É onde o Marcelo começaria do zero, que eu resolvi recomeçar. Eu nunca vou esquecê-lo, porque ele sempre vai ser o amor da minha vida. Mas eu espero que vocês entendam que eu preciso de um tempo para aceitar tudo o que aconteceu nos últimos meses.

Ligarei em breve, não se preocupem. Amo muito vocês e espero, de verdade, que vocês me compreendam.
Beijos, Andrea.

………………………………………………………………………………

20 de fevereiro de 2020.

Oi Pai, oi Mãe.

Sei que já se passou mais de um mês e ainda não dei o telefonema que prometi. E só posso pedir desculpas, mas eu não sei se estou preparada para falar com vocês. A verdade é que estou com medo. Medo por não saber se me perdoaram ou entenderam. Medo de que me critiquem. Pelas minhas contas, vocês devem receber esta carta, ainda essa semana. Sendo assim, pretendo ligar no sábado para que possamos nos falar melhor.

Quanto a entrevista que vim fazer, deu tudo certo e comecei a trabalhar já faz quinze dias. Estou trabalhando em uma empresa de comunicação e faz tempo que eu não me envolvia tanto com a publicidade. Gosto bastante do que faço e vejo que todos os cursos que o Marcelo quase me obrigou a fazer, foram muito úteis. Se não fosse por ele, eu não sei se estaria me dando tão bem. As pessoas também são muito boas e receptivas.

Quando me escutam falar, logo perguntam de onde eu sou, e como é por aí… Ainda não sofri nenhum tipo de preconceito por ter vindo do Nordeste. Pelo contrário, todos dizem que querem conhecer Fortaleza e que um dia ainda vão conhecer essas praias que temos. Eu só faço rir. Não posso dizer que fiz amigos, pois estou a pouco tempo, mas posso dizer que não estou sozinha. No prédio onde estou, já conheço duas vizinhas. Elas são irmãs, sabe?

E, logo no dia que cheguei (passei a primeira semana em um hotel, enquanto procurava por um apartamento bom), elas me convidaram para um jantar. Eu arrisquei e resolvi aceitar. E quer saber? Estava muito bom. Conversamos muito. Elas também não são daqui, são do Mato Grosso, acreditam? Já me levaram para conhecer vários lugares e já até conheço alguns de seus amigos. E assim como os do trabalho, eles são todos muito receptivos e simpáticos.

Está tudo indo bem, mas confesso que sinto saudade de vocês. Tenho também, sonhado muito com o Marcelo nos últimos dias e isso tem me deixado com mais saudade ainda. Sei que ele queria me ver bem e por isso tenho me esforçado ao máximo para ficar bem. Acreditem, mesmo com todas as dificuldades, eu estou melhor aqui, do que estaria aí com todas as lembranças tão vivas e fortes.

Assim como o Marcelo queria e como sei que vocês querem, eu estou seguindo em frente. Estou aprendendo a viver de outra forma, e a ser uma outra pessoa. Nem melhor, nem pior, apenas diferente. Não que isso seja algo ruim, mas não consigo ser a mesma que era quando o Marcelo estava por perto. Só ele me fazia ser daquele jeito que nem eu sei explicar. Enfim, espero que esteja tudo bem como vocês e sei que está. Prometo ligar logo.

Amo muito vocês, nunca duvidem disso.

Beijos, Andrea.

…………………………………………………………………………………….

25 de Abril de 2020.

Oi Pai, oi Mãe.

Já faz uns dias desde que nos falamos pela última vez. Desculpe-me a ausência. Como sabem, estou sem internet e, na verdade, sem muito tempo em casa. Tenho trabalhado bastante. Faço muito “hora extra”, a fim de não chegar em casa cedo. Nunca imaginei que morar sozinha pudesse ser tão solitário… Chego e não tem ninguém para cumprimentar. Não posso fazer uma receita nova, porque receitas novas sempre são para mais de uma pessoa. Não faço mais sobremesas, porque ainda não aprendi a fazer uma porção pequena. Apesar de toda essa solidão, eu estou melhor.

É verdade que sempre penso no Marcelo e em como seria se ele estivesse aqui. Sabe que ás vezes saiu do trabalho e, por um instante esqueço o que aconteceu e fico querendo chegar em casa para lhe contar as novidades. Então abro a porta e percebo que o único cheiro ali presente, é o do meu perfume. É verdade que, ás vezes, acordo em meio a madrugada, sentindo o perfume do Marcelo. Aquele cheiro que só ele tinha. Aperta o peito, sabe? E volto a dormir com aquela fisgada de dor. Eu ainda não consigo falar dele para outras pessoas. Quer dizer… As coisas estão começando a mudar.

Lá no trabalho tem um rapaz chamado Lucas. Ele trabalha em outro setor, mas sempre aparece para resolver alguma coisa. Nos últimos tempos reparei que ele aparecia mais do que deveria. Ele sempre é muito simpático e um dia me chamou para sair. Eu disse que não podia, pois precisava trabalhar. No dia seguinte eu tinha decidido sair mais cedo para comprar frutas, mas ele me chamou quando eu estava saindo e não pude dizer nada. Acabei aceitando e fomos tomar um café ali perto. Ele se mostrou curioso a meu respeito e, logo de cara comentou que sabia que algo havia acontecido comigo.

Perguntei-lhe o motivo da observação e ele disse que o meu olhar era acusador. Tratou de dizer que não estava com interesses sexuais em relação a mim, mas que algo havia lhe chamado a atenção. Queria me conhecer, ser meu amigo. Confesso que, quando ele falou tudo isso, fiquei mais tranquila. Não aguentaria alguém me cantando, né? Ele falou um pouco sobre sua vida. Mora aqui desde que nasceu. Não teve muitas namoradas e, recentemente a namorada (agora ex.) o largou para morar em Minas Gerais. Ele disse que foi muito repentino e ainda gosta muito dela. Mas percebeu que ela não estava disposta a seguir adiante.

Passamos três horas na cafeteria. Depois que ele falou muito a seu respeito. Perguntou-me o que havia me trazido a esta cidade. Eu lhe contei a história que o Marcelo escolheu na sorte a cidade que tentaria viver sem mim. E foi onde resolvi tentar viver sem ele. O Lucas ficou meio sem graça quando lhe contei. Disse que sente muito. Mas não disse aquelas coisas de sempre, sabe? Que eu preciso seguir em frente, ou que tudo vai ficar bem. Gostei de não ouvir aquelas frases. O Lucas é uma pessoa muito discreta e acredito que não saiu contanto para todos o que lhe contei. Conversamos muito. E acredito que é uma boa amizade esta que está surgindo.

Ah! Não lhes contei, mas na última semana liguei para os pais do Marcelo. Eles estão bem, na medida do possível. Disseram que sentem a minha falta pelos corredores e nos finais de semana. Perguntaram se estou bem e de como é tudo aqui. Conversamos bastante e fico feliz em saber que o que temos não deixará de existir nunca, pois jamais o Marcelo deixará de fazer parte da minha vida. Afinal, um grande amor assim não morre jamais.

Amo muito vocês e prometo em breve visitá-los. Desculpem-me a demora em aparecer, mas preciso de ainda um tempo para conseguir voltar para esta cidade.

Beijos, Andrea.

--

--

Karina Mendonça

Alguém que acredita que a escrita pode fazer coisas maravilhosas, desde mudar o mundo até fazer alguém sorrir.