A gente não se acostuma

Karina Mendonça
2 min readOct 16, 2022

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No segundo período da faculdade de jornalismo (lá em 2007), conheci a Marina Colasanti e seu famoso texto “eu sei, mas não devia”. Nunca o esqueci e sempre que penso na rotina, lembro-me que “ a gente se acostuma…”, “mas não devia”. A rotina faz parte da vida e a gente vai seguindo e passando e não tem como não ir, mesmo que a vida deixe um pouco de fazer sentido. É como dizem hoje em dia, “segue o baile”, mesmo sem saber dançar, mesmo sem sequer, ouvir a música, deixa a multidão te levar.

Mas tem um assunto que me incomoda e com o qual não acostumo, e é a morte. Porque a gente nunca se acostuma com a morte, com a saudade de quem foi e não volta. Com a ausência de quem não pode se fazer presente e nunca mais poderá. A gente aceita, aprende a viver, para de chorar todos os dias e passa a chorar apenas nas datas mais especiais (ou naqueles dias difíceis antes de dormir). Mas com a ausência, a gente não se acostuma.

A gente não se acostuma com o silêncio que ficou pela casa e com o armário vazio. Não se acostuma com os horários vagos na agenda ou com o tempo “livre” que agora temos. A gente não se acostuma a acordar sozinho na cama e não sentir aquela respiração ao nosso lado, nem a ter que levantar em silêncio. Não se acostuma a ouvir aquela música, olhar para os lados e não poder dizer, “lembra daquele dia?”.

A gente não se acostuma a ter que explicar aos filhos que o papai não vai voltar para casa porque foi morar com Papai do Céu, nem se acostuma a preparar a comida para apenas um. A gente não se acostuma a ouvir o filho chorar e fingir ser forte para consolá-lo, quando tudo que queremos é desabar com ele. E nem acostuma a sair de casa fingindo estar bem, quando todos esperam que estejamos, finalmente, bem.

A gente não se acostuma a acordar no dia seguinte a uma tragédia (seja grande ou pequena), para nos despedirmos de quem amamos. Nem se acostuma àquele ritual de despedida. A gente não se acostuma, nem vai se acostumar, mas a vida vai seguindo, o baile precisa continuar…

Karina Mendonça

*Publicado originalmente em 24 de janeiro de 2018.

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Karina Mendonça

Alguém que acredita que a escrita pode fazer coisas maravilhosas, desde mudar o mundo até fazer alguém sorrir.